Bate-Bola | Pedro Nogueira/Da Redação | 30/08/2011 14h03

Bate-bola: Paulão Brito

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Paulão conta quando vingou-se de Adilson Paulão conta quando vingou-se de Adilson "Maguila", o primeiro adversário de sua carreira. (Foto: Pedro Nogueira)

Paulão Brito

Paulo Brito, mais conhecido no meio esportivo como o pugilista Rambo, é um exemplo vivo de como uma promissora carreira de lutador pode acabar cedo, por conta de uma grave lesão. Abatido no início, a triste experiência, no entanto, acabou se tornando uma chance para Paulão recomeçar e se dedicar à profissão de professor de boxe.

Dono de sua própria academia desde o ano passado, o ex-boxeador conta ao Esporte Ágil como foi sua trajetória no esporte, que começou tardia, aos 17 anos, suas experiências, até quando teve que parar de lutar para iniciar sua mais nova paixão: ensinar.

Esporte Ágil – Quando você começou a lutar boxe?

Paulão - Comecei a lutar boxe tarde. Meu filho começou com cinco, seis anos, o que é o correto. Eu só com dezessete anos, quando vim do Pantanal para a Capital.

EA – E por que o boxe?

P – Eu via boxe pela televisão. Era época do Júlio César Chaves, do Mike Tyson, e até do Maguila. Todo final de semana passava uma luta na TV aberta, não existia TV à cabo então passava na Globo, na Bandeirantes, todo mundo assistia e eu gostava muito. Depois de um ano morando em Campo Grande comecei a treinar na academia Medalha de Ouro, que ficava na [Rua] Maracaju atrás da Telems, vários lutadores e professores passaram por lá. Entrei no boxe em outubro de 89, só treinando. Estreei depois de três meses, em janeiro de 90. Rolou um torneiozinho e eu perdi na primeira luta. Perdi feio.

EA – Acha que ainda não estava pronto?

P - Eu achava que lutar era igual brigar na rua. Eu era do mato, ignorante, brigador, achei que técnica era o de menos. Que era só chegar lá e dar porrada. Essa primeira luta eu perdi para um cara que já era experiente, não era estreante como eu. Isso é errado. Não ponho meu filho para lutar com cara mais velho, de categoria acima.
 
Eu não tinha técnica alguma, mal sabia o jab direto. Só tinha aquela vontade de bater e ignorância. Só queria socar a mão, não é assim. O cara que eu enfrentei chamava Adilson, mas o apelido dele era Maguila, porque ele ganhava de todo mundo por nocaute.

EA - Te desanimou?

P - Fiquei injuriado, não conseguia fazer nada. Ele me escorou no jab direto e ganhou a luta. Eu fiquei louco, queria dar o troco. Sempre fui assim, levava minha raiva para o ringue. Passaram três meses e meu professor fez o Torneio Estímulo, que como diz o nome, serve para incentivar. Participavam todos que perderam o primeiro torneio que disputei.

Ai entrei já mais preparado e ganhei a primeira luta. No outro dia eu ia lutar com o Fagundes de Ponta Porã. Lembro como se fosse hoje: eles vinham de carro e o carro deles quebrou e eles não tinham como vir mais. O professor me avisou e já estavam programadas sete lutas e a minha era a terceira. Para eu não ficar sem lutar, o professor arranjaria outro cara. E quando eu olho, o professor me traz o Adilson, que tinha me vencido, para me enfrentar.

EA – Era a sua chance de se vingar..

P - Eu estava louco para dar o troco nele, mas não àquela hora. Eu achei que ia pegar ele uns três meses depois, que eu estaria mais preparado, mais treinado. E eu tinha que lutar. Aí vem o negão e fala bem assim para mim: “pode ficar tranqüilo, essa luta vai ser leve, não vou bater tanto em você que nem daquela vez”.  Aquilo foi um tapa na minha cara. Meu rosto esquentou, estava a mil, resolvi lutar. Já subi no ringue fervendo, eu estava mordido. Não ia ter técnica nenhuma, se não deu tempo de aprender vou usar a força pantaneira, pensei.

Escorei na guarda, que era onde eu tinha me ferrado quando perdi, ai ele jogou 1-2 eu entrei, 3-4, “pau-pau”, joguei ele na corda, ele assustou. Depois disso, ele nunca mais quis lutar comigo. [Paulão venceu a luta]

EA – Quais foram as suas principais conquistas como boxeador?

P – Fui campeão do Centro-Oeste duas vezes e vice-campeão umas cinco, seis vezes. Campeonato Brasileiro participei de cinco. Fui duas vezes vice, uma vez fiquei em terceiro, outra em quarto e outra em quinto. Fui campeão Centro-Oeste-Sul uma vez e vice outra. E isso tudo sem treino adequado.

EA – Como assim?

P – O treino que eu fazia não tem nada a ver com o treino que deve ser feito. Foi quando fui para fora que vi e aprendi, quando fiquei no CT da seleção brasileira, fiz curso, que aprendi e adquiri conhecimento.

Hoje eu vejo, minhas vitórias foram todas na raça, coração. Eu lutava contra cara forte, treinado e a gente daqui em situação precária e eu nunca perdi por nocaute. Muitos lutavam uma vez e desistiam. Eu fiquei.

EA – Você chegou a se profissionalizar ?

P – Eu ia me profissionalizar ano passado em uma luta. Faltando duas semanas eu estorei o braço. Fui ao médico pela primeira vez. Estava em treino intenso, já tinha dores, meu braço inchava, eu colocava gelo, pomada, mobilizava e treinava. Mas tinha agravado, eu tive que parar. Minha intenção era lutar, aqui no Estado boxe olímpico você luta até quando quiser, já fora do Estado não, você tem que se profissionalizar para lutar. Lutei aqui até o ano passado.

EA – Como foi quando chegou ao médico?

P – O médico perguntou se eu lutava e disse que teria que adiar a luta para no mínimo um mês. Ele viu o raio-x, meu osso estava deformado. Pediu ressonância, o óleo da articulação já estava seco, já estava afetando os tendões, o ligamento. Ele me olhou e disse: “Paulo, você ganha dinheiro com luta?”, eu disse que não, luto porque gosto, lutar nunca me deu dinheiro. Aí ele me pediu para parar de lutar, que eu poderia dar aula, mas lutar não dava mais. Até dava para fazer cirurgia e tentar, mas ia ser muito difícil e a cirurgia poderia ainda piorar a situação.

EA – Qual foi sua reação?

P – Fiquei triste, minha vida toda treinei, me dediquei e trabalhei. Não queria parar.

EA – Pensou em desobedecer as ordens do médico?

P – Pensei, mas depois parei, raciocinei e achei melhor não. Teve várias lutas que eu terminava com um braço só. Depois que o corpo aquece você esquece que está lesionado. Em 22 anos de luta já vi cara de maxilar quebrado. Na hora você nem sente. Foi um baque, mas eu superei.

EA – E aí começou a dar aulas?

P – Comecei a dar aula mesmo em 2003. Eu trabalhava de segurança, mas perdi o emprego. O Tião, da academia Primeiro Round, me chamou para dar aula. Eu treinava lá para os campeonatos e o Tião pediu uma força, ele estava sozinho e eu negava. Treinar para lutar é uma coisa, dar aula é outra. Recusei duas vezes, mas ele insistiu e disse que me passava a malandragem de dar aula e fiquei dois anos com ele.

EA – Você gostava?

P - Comecei a gostar, fiz curso fora, fui aprender. Tenho cinco cursos de técnico, um de arbitragem. Estudei, investi no trabalho. Me dediquei para essa área. Hoje sei muito bem o que estou fazendo, ampliei o conhecimento tanto para treinar quem quer lutar e competir quanto para quem quer treinar para condicionamento físico, o boxe executivo.

EA – Quando você abriu a sua academia?

P – Em março do ano passado abri a minha academia. Dava aula em várias academias, e através delas, chamei meus alunos. Além da academia faço personal trainner. Acordo às cinco da manhã e corro com algum aluno, aí fico dando aula na academia das 8h até as 11h e depois das 14h30 até as 22h.  Tenho cerca de cinqüenta alunos.

EA – Você enfrentou dificuldades quando abriu?

P – Não enfrentei, graças a Deus já comecei bem, fui avisando que ia abrir e quem tinha aula comigo foi atrás.

EA – A maioria dos alunos é homem ou mulher?

P - Teve época que tínhamos mais mulheres do que homens. Agora acho que está metade metade. Acredito que o interesse dos homens pelo boxe está voltando por causa desta explosão do MMA na mídia. Antes era mais mulher, que queria queimar caloria. O boxe trabalha todo o corpo. Não é igual musculação, que é chato, rotineiro, monótono. Você sua, trabalha o abdômen, desestressa, extravasa, bate no saco, esvazia o dia de coisa ruim, trabalha a mente e ainda aprende uma forma de se defender.

EA – E alunos que entram para competir, existem?

P – Tem guri novo que quer treinar para lutar, mas o pai não deixa. Meu filho [Paulo “Júnior” Martins] é um dos que treina para competir. Temos o Evaldo [Silva] também que compete fora. É outro treinamento, não tem nada a ver com o executivo. A carga é triplicada. Eles treinam duas vezes por dia, manhã e noite.

EA – Como é dar aula para o seu filho?

P – No começo ele não se interessou pelo boxe. Por “livre e espontânea pressão” ele estreou aos oito anos e parou. Me disse que só queria voltar quando fosse para valer. Nesse meio tempo ele fez capoeira, tentou jogar futebol. No ano retrasado, quando ele tinha 12, ele voltou a treinar e papou tudo. Está invicto. No Estado ninguém vence ele, só se ele der moleza.

EA – A preparação do seu filho é para que ele lute fora?

P – É. O trabalho que faço é para ele lutar fora, à nível de seleção. Eu já treino ele pensando nisso. Meu passo tá na frente. A maioria dos professores tem visão de treinar o aluno para lutar com os guris daqui, eu penso que meu filho tem que treinar para vencer os caras lá de fora, que treinam bem mais, que têm mais estrutura. Visamos as Olimpíadas no Rio de Janeiro. A meta é essa, eu trabalho o físico e o psicológico dele para isso.

EA – Você vê no seu filho uma oportunidade de realizar sonhos que você queria ter realizado?

P – Eu não tive chance e nem oportunidade no boxe. Tudo que fiz foi sozinho, meus pais não me davam apoio moral nem psicológico, nunca recebi nada. Para os meus filhos eu dou tudo, tudo que aprendi, coisa que eu nem sabia, nutrição, por exemplo.

EA – Seus pais eram contra você lutar?

P – Minha mãe me via treinar e falava que era coisa de malandro, que lutar era coisa de quem estava à toa e era vagabundo. Eu entendo que a maneira como meus pais foram criados, a cultura deles, tem esse preconceito. Mas lutei, briguei, fui atrás do meu sonho. Várias vezes que ia lutar eu tinha que chegar mais cedo para montar o ringue, cansado, sem comer, nem passava água no rosto direito e ia para o ringue. Hoje em dia não é assim. Eu passei por tudo isso e estudei, batalhei para que ele (seu filho) não tivesse que passar por isso. É o que eu digo para ele, só depende dele. Já está tudo armado. Toda a mata que tive que desbravar está aberta para ele. O caminho está aberto.

EA – Todas as dificuldades que você sofreu foram importantes para que você crescesse?

P – Eu lutava fora ninguém me dava um real e eu ia com a bandeira de um Estado que nunca me deu nada, eu ainda subi com a bandeira do Mato Grosso do Sul nas costas. Tem coisa que te chateia, mas tem coisa que te deixa mais forte. Você fica com a casca dura.

Mas não adianta também ficar parado reclamando. Eu, quando ia lutar fora, encostava nos colegas mais ricos e pedia cinqüentão para lutar, ia pegando e viajava. Se eu fosse esperar, jamais chegaria aonde cheguei.

EA – A estrutura do boxe sul-mato-grossense, apesar de frágil, evoluiu?

P – Hoje em dia melhorou muito, tem atleta com bolsa, que a Confederação Brasileira dá. Mas é da Confederação, porque se você for depender do Estado, vai ser difícil. Primeiro que para os caras te atenderem já é quase impossível, receber apoio então é muito improvável.

EA – Como você analisa a imprensa esportiva no Estado?

P - Mais uma vez, em vista do que era antes, nossa, melhorou muito. O esporte em geral cresceu, a imprensa divulga, sempre se fala de esporte e daqui. Mas acredito que isso pode melhorar. A imprensa entrando, divulgando cada vez mais um evento, ela dá força para este evento, para o esporte. Quanto mais os meios de comunicação entram de cabeça, mais cresce a visibilidade.

EA – O que acha da imprensa quando ela associa as lutas à violência. Acha que de fato o esporte pode deixar alguém mais violento? A imprensa mancha a imagem das lutas quando faz isso?

P – Acho que não queima a imagem da luta não, quem conhece de verdade sabe que não tem nada a ver. Tudo na vida tem exceção, existem dois caminhos. Isso acontece com pastor, padre, quantas pessoas estão ali para fazer a coisa certa e fazem coisas erradas? Políticos, empresários, promotores, juízes, e no esporte também. Não tem como generalizar, sempre tem na caixa alguma fruta que está podre. Estes casos podem até causar algo, mas não estraga a modalidade em si. A pessoa inteligente não vai associar boxe com violência. Mas claro, dependendo do jeito que a imprensa coloca, uma pessoa leiga entende errado. Aí o filho quer lutar e o pai não deixa porque acha que só porque ele faz uma luta vai bater ou matar alguém com o que aprendeu.

EA – Dar aulas de boxe é uma forma de educar e disciplinar?

P – Conheço vários caras do boxe que eram viciados, que largaram as drogas para treinar. O boxe funciona como disciplina. Até aluno meu aqui, que bebia todo dia, agora só bebe no final de semana, socialmente. Eu faço o trabalho psicológico. Faço diminuírem o cigarro, o esporte passa isso. Eu busco falar para os meus alunos, com indiretas, brincadeirinhas, sem magoar ninguém, passando sempre o melhor caminho para eles, o caminho do esporte.

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